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Democratização da Comunicação

quinta-feira, 10/04/2014 20:30

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Para os participantes do evento, regular é essencial para garantir não só a liberdade de expressão, como a diversidade de vozes nos veículos de comunicação – Foto: Willian Dias/ALMG

Especialistas defendem a regulamentação da comunicação

A regulação dos meios de comunicação e a liberdade de expressão foram defendidas pelos especialistas que participaram na manhã desta quinta-feira (10/4/14) do Ciclo de Debates Comunicação, Regulação e Democracia. O evento foi realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e contou com convidados que concordaram que é errôneo vincular a ideia da regulação à censura à imprensa.

Para os participantes do evento, regular é essencial para garantir não só a liberdade de expressão como a diversidade de vozes nos veículos de comunicação. “Número de canais não é sinônimo de diversidade; é preciso saber quem controla esses canais”, disse a primeira palestrante do dia, a pesquisadora argentina Ornela Carboni.

O foco da exposição de Carboni foi a legislação argentina. Sancionada em 2009, a lei substituiu a anterior, de 1980, criada durante a ditadura militar. Ornela Carboni fez um breve histórico da legislação que começou a ser pensada, segundo ela, quando o governo de Cristina Kirchner entrou em conflito com o maior grupo midiático do país, o Clarín, em 2008. “Não se conhecem muito bem as causas desse conflito, mas um dos argumentos é o de que Néstor Kirchner, marido de Cristina e ex-presidente do país, queria se tornar acionista do grupo”, afirmou.

A partir de então, a presidente teria iniciado a discussão acerca de uma nova regulação dos meios de comunicação. De acordo com Carboni, houve grande debate com a sociedade, feito a partir de fóruns nacionais, a partir dos quais surgiram várias sugestões que alteraram o projeto inicial proposto pelo Governo Federal.

Aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, a Lei da Mídia foi sancionada em 2009, mas até 2013 ela foi discutida judicialmente, já que sua constitucionalidade foi questionada. A Corte Suprema declarou a lei constitucional e o Grupo Clarín teve que apresentar seu plano de adequação à nova legislação, já que a empresa era a única que ainda não o tinha feito.

De forma geral, a estudiosa avalia como positiva a lei, que, segundo ela, determina a divisão das outorgas de licenças para radiodifusão entre os setores público, privado e sem fins lucrativos – cada setor ficaria com um terço das frequências existentes. Carboni considera esse passo importante para reduzir o poder das oligarquias que controlam os meios de comunicação.

A norma também limita a porcentagem dos veículos que podem estar nas mãos dos mesmos grupos e cria mecanismos para fomentar a produção cinematográfica independente no país. Ela criticou, porém, a pouca atenção dada aos novos meios de comunicação, via internet, na legislação.

Estudiosos criticam monopólio das grandes corporações

O procurador da Assembleia Legislativa de São Paulo, Yuri Carajelescov, salientou que informar e ser informado é um direito fundamental de qualquer cidadão. Para ele, liberdade de expressão e vedação à censura são as bases de um regime democrático. Ele ressaltou que as garantias constitucionais desses direitos, apesar de importantes, não são suficientes, e defendeu que é preciso regulamentar melhor o setor.

“O poder econômico não pode exercer o controle sobre o mercado das ideias, estabelecendo uma forma peculiar de privatização da censura”, disse Yuri. Ele defendeu que a falta de regulamentação implica deixar que grandes grupos econômicos exerçam a sua autoregulação, à mercê do interesse público.

Especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual, Gustavo Gindre iniciou seu discurso afirmando que não existe sociedade democrática sem uma comunicação democrática. Ele entusiasmou a plateia ao rebater enfaticamente o discurso recorrente na mídia segundo o qual qualquer tentativa de regulação da comunicação é apontada como censura. “Isso é uma balela”, disse, citando países como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Japão, Grã Betanha, Austrália e Nova Zelândia, onde a regulação da mídia é praticada normalmente, inclusive submetendo os infratores a pesadas multas.

Segundo Gustavo, as redes de televisão no Brasil não dão espaço ao debate porque este pressupõe o contraditório. Sob aplausos, afirmou que a comunicação no Brasil já é regulada diariamente, de forma privada, pelas grandes corporações, sem a participação da sociedade civil. Hoje, disse, são esses grandes conglomerados que dominam a comunicação. Citou como exemplo as Organizações Globo, que, segundo afirmou, faturaram, em 2012, R$ 12,5 bilhões, mais do que Record, SBT, Band, CNT, Uol, Folha de S. Paulo e Rede TV! juntas, cujo faturamento somado não passou de R$ 10,5 bilhões.

Gindre disse ainda que o lucro líquido da Globo é o sexto maior do País, só perdendo para empresas gigantes como Petrobras e Vale. Em 2012, disse, esse lucro foi de R$ 2,9 bilhões, enquanto as demais empresas de comunicação citadas por ele não chegaram a R$ 1 bilhão. Dessa forma, observou, já não se pode dizer, como há 20 anos, que a comunicação no Brasil é dominada por sete famílias, mas sim controlada por uma única família, os Marinho. “A Abril vai à falência se a Veja deixar de receber apoio do governo tucano de São Paulo”, disse.

Professor aponta atraso da legislação

O professor adjunto do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas, Sivaldo Pereira da Silva, criticou o atraso do Brasil em termos de regulação da comunicação. Segundo o professor, o marco regulatório vigente hoje é “totalmente fragmentado e cheio de remendos”, baseado em dispositivos defasados, das décadas de 1960 e 1990. “Nós estamos atrasados no mínimo 50 anos nesse marco histórico de regulação da comunicação”, lamentou.

Ele criticou, também, a fragmentação dos órgãos responsáveis pela comunicação, que vão desde o Ministério das Comunicações e Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, até o Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, órgão que, segundo ele, só defende os seus próprios interesses, isto é, os interesses do mercado. Ele criticou, ainda, o Congresso Nacional, a quem caberia fiscalizar os meios de comunicação, uma vez que é responsável pelas concessões de rádio e TV. Contudo, observou, há um grande número de parlamentares que são donos dessas emissoras. Por isso, as concessões se perpetuam na mão dos mesmos grupos sem nenhum controle.

Para o professor, é necessário promover o equilíbrio entre a mídia pública e a mídia privada. “Não somos contra a mídia comercial, mas precisamos adotar mecanismos de proteção ao cidadão. Isso não é autoritarismo nem censura, é proteção de direitos”, disse. Nesse sentido, defendeu mais investimentos por parte do governo nos veículos de comunicação públicos.

Parlamentares expõem problemas da comunicação

O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) abriu os debates com uma exposição sobre os maiores desafios e problemas dos meios de comunicação brasileiros. “Nosso modelo atual de comunicação e de propriedade de jornais impressos e emissoras de televisão é muito concentrado nas mãos de reduzidos grupos empresariais, apesar de a nossa Constituição proibir os oligopólios nesse setor”, disse.

O parlamentar destacou também que os veículos estão concentrados nas grandes capitais e não refletem a diversidade cultural do País. Outro problema apontado por ele é o padrão de financiamento, baseado em venda de publicidade e mercantilização da notícia. “A função social da comunicação fica prejudicada”, afirmou.

O deputado Rogério Correia (PT), por sua vez, afirmou que regular o setor é uma das reformas mais urgentes que precisam ser feitas na Constituição brasileira. Ele exaltou, ainda, a iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), que acaba de criar uma comissão de defesa da liberdade de expressão.

Programação paralela – Além dos debates, a ALMG abriga esta semana algumas atividades relacionadas ao assunto. Uma delas é a exposição fotográfica “As Ruas de Junho”, da Mídia Ninja, com registros das mobilizações sociais nos protestos que tomaram conta do País no ano passado. A exposição está no Hall Administrativo da ALMG até sexta, das 7h30 às 19 horas.

Nesta quinta-feira (10), a partir das 18 horas, no Espaço Democrático José Aparecido de Oliveira, a Mídia Ninja também promove a Mostra Midiativista, com a apresentação de alguns trabalhos em vídeo que se destacam na construção de narrativas livres sobre causas sociais. Por fim, ainda na quinta-feira (10), a partir das 19 horas, também no Espaço Democrático, a Casa Fora do Eixo Minas promove um duelo de MC’s pela liberdade de expressão.

Fonte: ALMG