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OPINIÃO

segunda-feira, 24/06/2013 20:47

Tudo que os manifestantes não querem é “manipulação”

O sempre equilibrado Emanuel Carneiro apresentava normalmente o programa Turma do Bate-bola, pela Rádio Itatiaia, na noite da última sexta-feira (21 de junho), quando de repente parece ter incorporado o espírito de William Bonner, apresentador do Jornal Nacional. Emanuel falava de esporte, quando deu uma pausa para comentar sobre as manifestações que se alastram pelo Brasil. Só que, em vez de fazer uma avaliação imparcial dos acontecimentos, começou a colocá-las sob suspeição. “Por que só agora estão ocorrendo? Por que não se questionou quando foi decidido que a Copa se realizaria no Brasil?”, questionou, repetindo a afirmação quase orquestrada que temos ouvido exaustivamente do senso comum, nos últimos dias, de que essa reação estaria vindo muito tarde. Aí, foi tecendo uma sucessão de “meias verdades”. A idéia de trazer a Copa para o Brasil, sustentou, foi defendida pelo governo Lula, com apoio dos governadores dos estados. Quando se definiu o Brasil como o país escolhido, continuou, houve festa por todo o país, comemorando o fato. Além disso, emendou, o país assumiu os encargos impostos pela Fifa para sediar o evento. E concluiu dizendo que, diante disso, resta ao povo brasileiro aceitar a competição, receber com alegria as delegações estrangeiras e jamais hostilizá-las. Só faltou falar como Pelé. “Parem com as manifestações e apóiem a Seleção Brasileira”, foi o apelo do proclamado “rei” do futebol aos patrícios.

Emanuel Carneiro ignorou o fato de que não foi o povo brasileiro que pediu o governo para realizar as Copas das Confederações e do Mundo no Brasil. Em grande parte, foi o governo federal, juntamente com governos estaduais (incluindo o de Minas), que cedeu às pressões de grupos econômicos interessados em “faturar” alto com a construção de estádios e redes de infra-estrutura, logística, monopólio da transmissão dos jogos, recepção e hospedagem de turistas e outros serviços que adviriam do grande fluxo de estrangeiros que haveria no país por ocasião desses eventos. Não foi o povo que “festejou” a escolha do Brasil como sede dos jogos. O que ocorreu foi o mesmo que já se verificara na época das privatizações, nos tempos de Fernando Henrique Cardoso, quando se batia o martelo a cada empresa pública entregue “de bandeja” à iniciativa privada. Comemorava-se cinicamente nos locais em que se realizavam os leilões, com a conivência da mídia conservadora, enquanto as manifestações, que aconteciam do lado de fora, eram ignoradas pelos holofotes e sufocadas pela repressão policial.

No caso do anúncio da Copa, as festas foram organizadas e bancadas pelos governos e empresas candidatas a se beneficiarem dos eventos. O povo ficou ao largo da euforia. Anunciou-se, no início, que os governos apenas dariam o “suporte” para viabilização da competição, facilitando a mobilidade urbana, melhorando e otimizando o transporte aéreo e rodoviário, reforçando e equipando a segurança pública. A construção de estádios e hotéis correriam por conta da iniciativa privada. E não foi o que aconteceu. A reconstrução e construção de “arenas” foram praticamente bancadas pelos governos. Pior: passadas para administração de empresas privadas, o acesso aos jogos ficou praticamente inviável para os torcedores de médio poder aquisitivo e pobres. E a chamada Lei Geral da Copa, que passou por cima de antigas e consolidadas leis brasileiras, só para atender a ganância da Fifa por faturamento junto aos seus patrocinadores, foi aprovada graças ao conluio dos governos com um Parlamento viciado, conservador e venal, apesar dos protestos pelo país inteiro.

O comentário do senhor Emanuel Carneiro foi ao ar em tom de editorial disfarçado. Deveria, no entanto, ter mudado a dinâmica do programa e anunciado solenemente: “Atenção, ouvintes da ´Turma do bate-bola`. Interrompemos por instantes o programa para um editorial. Como já sabem, meu nome é Emanuel Carneiro. Para aqueles que ainda não sabem, sou o presidente do Grupo Itatiaia e fui presidente também da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), na gestão 2010-2012. Sou dono de uma emissora que celebrou contratos de patrocínio de milhões de reais para as Copas das Confederações e do Mundo, e não posso sofrer tamanhos prejuízos…”.

Além de digna, essa teria sido também uma postura legítima. Afinal, há que se reconhecer a utilidade pública e a importância social da emissora, que oferece centenas – talvez milhares – de empregos. Mas o dono da Itatiaia optou por tentar manipular os seus ouvintes. Esqueceu-se de que os amantes do esporte também pensam, raciocinam, refletem. Mostrou que ainda não entendeu o que estamos vivenciando nas ruas das maiores cidades brasileiras. Vai a dica: o que os manifestantes querem rechaçar de vez do dicionário pátrio é “manipulação”.

E por falar em William Bonner e Emanuel Carneiro, o que vimos nos últimos dias no rádio e na TV é uma espetacular incoerência entre o que dizem os apresentadores dos programas e o que mostram as reportagens e/ou imagens. Os primeiros, em poucas palavras, dizem que as manifestações são legítimas e pacíficas. As segundas, em longos espaços de tempos e com gritarias histéricas dos repórteres e tensão das cenas, só destacam a palavra “vandalismo” e as agressões e quebradeiras cometidas pelos supostos “vândalos” de plantão. A fonte oficial e extraoficial é sempre o comando da polícia militar. Adivinha qual a imagem das manifestações vai ficar ficar gravada nos espectadores e telespectadores mais incautos? Dou um doce para quem adivinhar.

Gil Carlos Dias
Jornalista