PEC 32/2020

SÍNTESE ESPECIAL DIEESE: mudanças na PEC 32 ignoram demandas dos trabalhadores

quinta-feira, 09/09/2021 11:38

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O parecer do deputado Arthur Oliveira Maia (DEM/BA), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 na Comissão Especial que trata da reforma administrativa na Câmara dos Deputados, fez uma série de alterações importantes no texto original da propositura.

As mudanças englobam os dispositivos relacionados aos vínculos de contratação, à gestão e avaliação de desempenho, estabilidade dos servidores e outros tópicos, inclusive alheios à reforma administrativa.

Em geral, conforme este texto pretende demonstrar, as alterações não envolvem o núcleo e o sentido da reforma em relação ao texto original apresentado pelo Executivo. As modificações não contemplaram as críticas feitas pela sociedade e pelo movimento sindical, durante audiências públicas, e o documento mantém os principais pontos da proposta original.

Vínculos de contratação

O texto original da PEC 32 previa a criação de cinco novos vínculos de contratação: vínculo de experiência; vínculo por prazo determinado; vínculo por prazo indeterminado; cargo típico de Estado; e cargo de liderança e assessoramento. Já o substitutivo do relator prevê apenas o cargo exclusivo de Estado (nova denominação do cargo típico de Estado) e o contrato por tempo determinado.

Cargos exclusivos de Estado

O substitutivo traz para o texto da Constituição a definição dos cargos exclusivos de Estado, deixando de remetê-los à Lei Complementar. Os cargos são: aqueles voltados a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.

Os cargos exclusivos de Estado terão algumas prerrogativas:

– Quando houver processo administrativo que vise à perda do cargo, haverá garantia de que ocupantes do mesmo cargo componham o órgão colegiado responsável pelos procedimentos. Para os demais servidores, o processo será conduzido apenas por ocupantes de cargo efetivo, não necessariamente no mesmo cargo;

– Não estarão sujeitos à redução de até 25% da jornada com abatimento proporcional de remuneração;

– No caso dos instrumentos de cooperação, a permissão para compartilhamento de recursos humanos de particulares não se aplica aos ocupantes desses cargos;

– Esses servidores terão critérios e garantias especiais (definidos em lei) para a perda do cargo decorrente: da violação dos limites de despesas com pessoal definidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); de avaliação de desempenho; e de processo administrativo;

– Esses cargos não poderão ser preenchidos por servidores contratados por tempo determinado.

Contrato por tempo determinado

O parecer do relator enfatiza os contratos por tempo determinado e piora as condições para esse tipo de contrato. Primeiramente, as normas gerais que determinarão as formas de seleção, os direitos, os deveres, as vedações e a duração máxima do contrato serão definidas, de forma privativa, pela União, o que representa quebra da autonomia dos entes subnacionais.

Uma lei ordinária estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária. Enquanto essa lei não for editada, a definição dada no texto substitutivo é de que a contratação de pessoal por tempo determinado será feita de acordo com o regramento existente nos entes a respeito da questão, sendo facultada a eles a utilização do regramento federal de forma subsidiária.

Uma mudança importante é a definição de um período máximo para a contratação por tempo determinado. O texto do relator prevê a possibilidade de duração máxima de 10 anos para os futuros contratos, enquanto aqueles existentes na data de publicação da Emenda permanecerão vigentes até terminarem ou por, no máximo, mais quatro anos, prevalecendo o que for menor.

Esse tipo de contratação se dará pelo que o substitutivo chama de processo seletivo simplificado, sem definir o que seria esse processo. É importante frisar que mesmo esse processo simplificado é dispensado nas hipóteses de calamidade, emergência ou de paralisação de atividades essenciais, esse último representando um ataque direto ao direito de greve dos servidores públicos.

O substitutivo veda a renovação de contrato antes de decorridos 24 meses, caso a contratação inicial não tenha sido realizada mediante processo de seleção simplificada.

Para esses trabalhadores, serão assegurados, a partir da promulgação da emenda, os seguintes direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal:

– Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;

– Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

– Piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

– Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

– Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

– Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

– Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

– Salário família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

– Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

– Jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

– Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

– Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal;

– Gozo de férias anuais remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal;

– Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias;

– Licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

– Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

– Adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Desse modo, os contratados por prazo determinado serão privados de uma série de direitos aos quais os trabalhadores urbanos e rurais hoje fazem jus. Entre eles:

– Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, entre outros direitos;

– Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

– Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

– Aposentadoria;

– Assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

– Reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

– Proteção diante da automação, na forma da lei;

– Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

– Ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

– Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

– Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

– Proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

– Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos;

– Igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Cargos em Comissão e Funções de Confiança

Além dos dois vínculos anteriores, o texto original da proposta previa que os cargos em comissão e as funções de confiança seriam transformados em cargos de liderança e assessoramento, mudança que não consta do substitutivo. O texto prevê apenas que a União terá competência privativa para definir as normas gerais para a ocupação dos cargos em comissão.

Gestão e Avaliação de Desempenho

As normas gerais da gestão de desempenho passam a ser de competência privativa da União, assim como as condições para a perda de cargo por desempenho insatisfatório. Atualmente, a Constituição determina que Lei Complementar defina os critérios de avaliação de desempenho dos servidores.

O substitutivo também introduz alguns princípios da avaliação de desempenho na própria Constituição. A avaliação deverá ser periódica e obrigatória, realizada de forma contínua e com a participação dos avaliados, com as seguintes finalidades:

– Aferir a contribuição do desempenho individual do servidor para o alcance dos resultados institucionais do seu órgão ou entidade;

– Possibilitar a valorização e o reconhecimento dos servidores que tenham desempenho superior ao considerado satisfatório, inclusive para fins de promoção ou progressão na carreira, de nomeação em cargos em comissão e de designação para funções de confiança;

– Orientar a adoção de medidas destinadas a elevar desempenho considerado insatisfatório.

Uma consequência desses princípios é a possibilidade de alteração das estruturas de carreiras para atender às futuras normas que atrelarão o desempenho dos servidores à progressão na carreira.

Enquanto não forem definidas as normas gerais para a gestão e avaliação de desempenho, a competência sobre o tema será exercida pelos entes, observando para os servidores o estabelecimento de metas de desempenho individual; a realização de avaliação periódica de desempenho em ciclos de 12 meses; e a apuração do grau de satisfação dos cidadãos por meio de plataformas digitais ou na forma de lei a ser editada pelos entes.

A possibilidade de mensuração da satisfação dos cidadãos por meio eletrônico pode enviesar a avaliação dos servidores e do serviço público ofertado, pois alguns não terão essa avaliação, já que não atuam diretamente no atendimento aos usuários; os cidadãos, provavelmente, não vão considerar a estrutura à disposição do servidor para o atendimento no momento da avaliação; alguns
serviços podem ser executados por não servidores (por exemplo, por meio dos instrumentos de cooperação); pode haver situações como a organização de grupos de interesse para prejudicar o serviço público (por exemplo, o de fiscalização). Tudo isso sem saber o escopo e as implicações desse tipo de avaliação.

Estabilidade

Ao contrário do que foi alardeado após a publicação do texto do substitutivo, não houve melhoria na questão da estabilidade. Isso porque, ao definir quais são os cargos exclusivos de Estado, a proposta colocou todos os demais cargos da administração pública em uma espécie de limbo, abrindo a possibilidade para que o gestor escolha a modalidade de contratação dos futuros ocupantes dos cargos não exclusivos de Estado.

Além disso, as possibilidades de perda do cargo foram ampliadas. Em relação ao texto original da PEC, manteve-se a possibilidade de perda do cargo por decisão proferida por órgão judicial colegiado, o que é um retrocesso em relação ao texto constitucional vigente, que determina sentença judicial transitada em julgada.

Não há alteração em relação ao texto constitucional sobre a possibilidade de perda do cargo mediante processo administrativo, sendo assegurada ampla defesa.

Em relação à avaliação de desempenho, o servidor poderá perder o cargo em decorrência de resultado insatisfatório, também assegurada ampla defesa, observada ainda a possibilidade de extinção do cargo. E é justamente esse o ponto de ampliação das possibilidades de perda do cargo.

O texto incorpora à previsão incluída pela Emenda Constitucional 19/1998, que possibilita que determinado cargo seja extinto por ser definido como desnecessário ou obsoleto na forma de lei específica, a perda da estabilidade do servidor, observando somente critérios objetivos e impessoais para a identificação de quem perderá o cargo. É resguardado o direito à indenização de que trata o § 5º do art. 169, ou seja, correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.

Para os atuais servidores foi garantida a atual redação introduzida pela EC19, ou seja, se o cargo for extinto ou declarado desnecessário, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até o adequado aproveitamento em outro cargo.

A estabilidade para os novos servidores se dará após três anos (conforme o texto constitucional vigente), porém, com avaliação de desempenho em ciclos semestrais durante todo o período do estágio probatório.

Para os empregados públicos, o relatório determina a anulação da concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida.

Outros Tópicos

Foram mantidas as vedações1 a direitos e garantias dos servidores, conforme o texto original da PEC, mas ampliou-se o rol dos agentes públicos afetados por essas vedações. Agora, estão incluídos os detentores de mandatos eletivos, os membros dos Tribunais e Conselhos de Contas, os ocupantes de cargos, empregos ou funções públicas da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, assim como os dirigentes dos órgãos e das entidades.

Além disso, manteve-se a possibilidade de que servidores e empregados públicos admitidos até a data de publicação da EC preservem esses direitos e garantias, desde que essas prerrogativas tenham sido instituídas por lei em vigor em 01 de setembro de 2020 – e que não haja alteração ou revogação posterior.

Também foi mantida a extinção das parcelas indenizatórias instituídas apenas em ato infralegal após dois anos da EC.

Em relação à redução de até 25% da jornada com redução proporcional de remuneração, os servidores e empregados públicos admitidos até a data de publicação da EC poderão optar pela jornada reduzida ou pela jornada máxima estabelecida para o cargo/emprego.

Em relação aos Instrumentos de Cooperação criados pelo artigo 37-A, não houve mudança em relação à proposta original da PEC. Apesar do princípio da subsidiariedade ter sido retirado do texto ainda no parecer da CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), os instrumentos de cooperação estão mantidos e representam a constitucionalização das possibilidades da terceirização e privatização dos serviços públicos.

Vale destacar que o relatório trouxe alterações de artigos constitucionais estranhos ao tema da reforma administrativa:

– Concessão de foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal para o diretor-geral da Polícia Federal;

– Modificação da previsão da pensão por morte decorrente do exercício ou em razão da função para ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo, da polícia federal, da polícia rodoviária federal, da polícia ferroviária federal, das polícias civis, e polícia legislativa da Câmara e do Senado.

Considerações Finais

O parecer do relator não contemplou as críticas apresentadas pelo movimento sindical e pelo conjunto da sociedade, ao contrário, aprofundou diversos problemas que dizem respeito à precarização do serviço público e à possibilidade de demissão dos servidores atuais e futuros.

A ampliação dos contratos por tempo determinado e os instrumentos de cooperação contribuem para a redução do alcance da estabilidade no conjunto do funcionalismo público, pois relega à maioria das carreiras uma lacuna, uma vez que o relatório não se detém em regulamentá-las. Isso significa que a maioria dos servidores não alcançará a estabilidade, pois os gestores terão a possibilidade de contratarem força de trabalho por meio dos contratos temporários e dos instrumentos de cooperação, que ainda podem servir para a privatização dos serviços públicos.

Na avaliação de desempenho também há retrocesso, ao não primar pela busca da melhoria da oferta dos serviços públicos à sociedade, pois o método não diz respeito à avaliação da estrutura do serviço público como um todo, mas sim do servidor que atua na ponta, ignorando as condições que o Estado proporciona para que os trabalhadores possam atender a sociedade. Esse tipo de avaliação ignora aqueles que atuam na atividade-meio, o que provocará uma hierarquização ainda maior nas estruturas das carreiras públicas, já que fragiliza aqueles que atuam na
atividade-fim. Importante ressaltar que essa avaliação contará como critério para desligamento do servidor público.

Quanto aos impactos para o movimento sindical, a fragmentação da base e a queda do poder de barganha ficaram mantidas em relação à proposta original. Isso é decorrência da ampliação dos contratos por tempo determinado, da manutenção dos instrumentos de cooperação e da distinção entre cargos exclusivos de Estado e os demais.

Assim, é necessário que o movimento sindical se mantenha mobilizado e em diálogo com a sociedade e os parlamentares, uma vez que o relatório aprofundou problemas existentes na proposta enviada pelo Executivo, pondo em risco a continuidade da oferta de serviços públicos para a sociedade, prejudicando especialmente os pobres e a classe média.

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